Toda mulher deve ser mãe?

O Imaginário.

Será que toda mulher deve ser mãe e quem não é, leva em si uma tristeza ainda que sutil? Talvez você esteja a pensar: “Ninguém merece mais um homem a falar sobre maternidade”.

Espero não ser mais um destes, porém quero apenas abrir um momento de reflexão a uma temática tão sensível e de direcionamento social.

Este direcionamento pode ser entendido como papel social, que direta ou indiretamente acompanha todas as pessoas, independentemente de gênero.

Alguns direcionamentos são objetivos e claros, como “não se pode matar uma pessoa”. Outros, porém são mais complexos e sutis, como a ideia de que toda mulher deve ser mãe.

No imaginário popular, a maternidade é entendida como uma condição natural à mulher, uma vocação, um chamado.

Este direcionamento é entendido como se o desejo pela maternidade fosse natural a mulher e aquela que não se encaixar nisso possuí problemas ou desvios.

Um argumento que parece muito utilizado é: “ Se o corpo da mulher se prepara anos para isso, logo toda mulher deve ser mãe”.

O biológico

Mas o fator biológico é o único que determina a vida humana? E toda a subjetividade que nos distingue dos outros animais?

O fator biológico da mulher poder ser mãe ou de poder desejar a maternidade não significa que ela tenha que ser, porque ser possível ao ser humano não significa ter que ser.

Trabalho diretamente com mulheres desde 2006, quando iniciei como estagiário de psicologia. Com o tempo trabalhei como educador, psicólogo social, coordenador de projetos e desde 2012, como psicólogo clínico.

Não tenho ideia do número de mulheres que atendi em grupo ou individualmente, mas uma coisa que sempre ouvi delas é que ser mãe é muito, mas muito difícil.

Escreveria outro texto justificando os porquês, que vão desde a solidão materna, o julgamento, a culpa e a privação de muitas coisas.

Em números, acredito que, dos atendimentos e grupos que fiz, a maioria não se arrependeu de ter filhos,

mas, como somos seres humanos e não fórmulas ou réguas matemáticas, as singularidades precisam ser acolhidas e respeitadas.

Qualquer psicólogo que não respeitar isso não deverá atuar como tal. Por que digo isso? É que existem mulheres que, se pudessem voltar no tempo,

não teriam tido filhos e outras que, observando o que envolve a maternidade, possuem certeza de que não querem ter filhos.

Pressão Social

Mas a decisão de uma mulher não ter filho não parece isentar-se de cobranças, julgamentos e desvalorização e o engraçado é que o fator biológico do homem poder ser pai não se apresenta com o mesmo peso social. 

Por que isso acontece?

Não vou discutir isso aqui, seria assunto para outro texto, a questão é que, pelo menos dentro da minha bolha social de contatos com mulheres, há quase 20 anos, profissionalmente falando, essa pressão existe sim!

Acredito que outras bolhas de mulheres se identifiquem com essa pressão. O ser humano se forma em convivência social, uma mulher se forma a partir de direcionamentos, de contextos.

Esta formação nunca é objetiva, pois não é o que é ensinado e nem necessariamente o como é ensinado, no entanto, como a pessoa capta isso, como isso lhe faz sentido ou não, e isso nem sempre se dá de modo consciente.

Essa coisa complexa que se dá o desenvolvimento, as psicologias que são várias, dão o nome de subjetividade e é determinante no modo como uma mulher encara ou não a vivência da maternidade

Autoconhecimento.

Todo ser humano é um mistério para si e para os outros. Se a maternidade faz sentido para você como mulher, está tudo bem, e não é minha intenção desencorajá-la.

Afinal, a maternidade pode ser vista como um papel social único para as mulheres, dada a capacidade de gerar um filho.

Essa condição permanece singular até que a possibilidade de gestação se torne uma realidade para homens, como na ficção científica representada por filmes como “Júnior” de Arnold Schwarzenegger

Mas este lugar de glória também tem injustiças, tem um direcionamento cultural desde muito cedo com bonecas, roupinhas, assim como a espera de príncipes nos contos de fada,

porém, vale salientar mais uma vez que o direcionamento não faz o desenvolvimento ser linear.

Nem tudo o que o ser humano recebe como instrução, educação, independente do que for, se desenvolve como uma receita de bolo ou fórmula matemática, como já dissemos anteriormente aqui.

Ainda que todas as mulheres do mundo tenham bons pais, bons exemplos de mulheres e maternidade, isso não é garantia para um “desejo natural pela maternidade”.

Conhecer a si mesma, conhecer seus sonhos, os limites e o preço da escolha de maternar ou não é um caminho único a cada mulher .

Se você chegar à conclusão de que não faz sentido algum ser mãe, está tudo bem do ponto de vista psicológico, ainda que do ponto de vista cultural ou moral não esteja.

A realidade

Em contraposição aos contos de fadas e novelas televisivas, nem todas as gestações são desejadas, alegres e com recursos de informações.

Mesmo em uma época de maior voz para a mulher na maternidade, com doulas, enfermeiras obstetras e maior participação de homens comparadas às décadas atrás, a mulher ainda amarga uma gama de incompreensão.

O esgotamento físico e mental do papel materno, somado a todos os outros papéis do que é ser mulher hoje, muitas das vezes não é reconhecido nem cuidado, pelo contrário, quanto mais difícil ou, em outras palavras, mais violento, mais parece ser valorizado.

Puerpério, privação de sono, mudanças hormonais, mastite ainda são termos e fenômenos muito distantes e desconhecidos da nossa cultura pragmática e superficial de cuidado e valorização da vida e saúde da mulher.

Quer saber mais? Duas indicações: @andreia_eiras , Instituto mater online e meu ebook.

A decisão

Não quero menosprezar o lugar da maternidade, a mulher e a força e representatividade que é gerar ou maternar.

Estou apenas lembrando que, se por algum motivo, você mulher não se encaixar no direcionamento à maternidade, não se sinta pressionada a ser o que você não quer e não sonhou ou sonha ser.

Está tudo bem uma mulher querer e lutar por ser mãe, mas não querer quando não faz sentido existencialmente falando, também está tudo bem.

Em uma sociedade que causaria inveja a Jane Austen e tantas outras mulheres brilhantes de séculos passados que não tiveram filhos.

A possibilidade de reconhecimento e satisfação mediante outras realizações além da maternidade dá à mulher a possibilidade de escolha, de decidir sobre seu corpo, prazer, sacrifícios, responsabilidades.

E acredito que, pensando em séculos ou mesmo décadas, isto é muito recente.

Então, pense, se perceba, se necessário faça terapia, mas seja respeitosa, fiel aos seus objetivos e sonhos, quer a maternidade faça parte deles ou não.

Agora quero te fazer um pedido: se você conhece uma mulher que talvez se identifique com este texto: Toda mulher deve ser mãe?, compartilhe com ela este conteúdo e muito obrigado.

Um forte Abraço.

Um agradecimento especial à minha amiga e filósofa Cássia pela colaboração no texto.

Rolar para cima